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“…todos os crentes parecem escandalosos e indiscretos: procura evitá-los” (Nietzsche)
Em nossa época, supostamente dominada pela ciência e pela tecnologia, o fanatismo parece ser uma reação made in recalcado do inconsciente da humanidade. Fanatismo, vem do latim fanaticus, quer dizer “o que pertence a um templo”, fanum. O
indivíduo fanático ocupa o lugar de escravo diante do senhor absoluto,
que, pode ser uma divindade, um líder mundano, uma causa suprema ou uma
fé cega. O fanatismo é alimentado por um sistema de crenças absolutas e
irracionais que visa servir à um ser poderoso empenhado na luta contra o Mal. Ou
seja, o fanático acha que pode exorcizar pessoas e coisas supostamente
possuídas pelo demônio”, “combater as forças do Mal” ou “salvar a
humanidade” do caos.
Tendo origem no dogma religioso, o fanatismo não
se restringe a esse campo único; existe fanatismo por uma raça, um time
de futebol, por um partido político, sobretudo por ideologias
revolucionárias quando extrapolam a dimensão racional, sentindo-se
guiada pela “fantasia da escolha divina”. Foi fanatismo religioso que
fez muitos seguirem Jin Jones (Templo do Povo), Asahara (Verdade
suprema), David Koresh (Ramo davidiano), Jo Dimambro (Templo Solar) e
tantos outros místicos ou charlatães que terminaram causando tragédias
coletivas, noticiadas no mundo todo. A história conheceu também os
histerismos coletivos da “caça as bruxas”, a perseguição aos negros,
índios, comunistas, homossexuais, prostitutas. O movimento da Jihad
islâmica contra os “infiéis do ocidente” e a “guerra aos terroristas” do
ocidente cristão, demonstram que o fanatismo está vivo e atuante em
nossa época supostamente “científica” e “tecnológica”. Precisamos
admitir que, a história da humanidade é também a história dos vários
fanatismos dominando grupos humanos, sempre com conseqüências trágicas.
Esse pedaço da história renegado nos causa vergonha, medo e sinalizam
alertas para possíveis efeitos negativos no rumo da civilização.
Como dissemos, o fanatismo atua para além do
efeito religioso, mas não extrapola ao campo ideológico como um todo. Há
fanatismo entre crentes de todo o tipo, do menos ao mais irracional.
Mas, não existe fanatismo racional, em que pese o fato de um certo tipo
de razão (instrumental, cínica, etc) também ter cometidos os seus
desatinos e crimes. Assim, para o fanático religioso, não basta adorar
um Deus visto como Senhor absoluto, é necessário ser soldado dele na
terra, lutar pela causa superior, pregar, exorcizar, forçar os “infiéis”
ou “divergentes” à conversão absoluta, à qualquer preço. O fanático
está sempre disposto a dar provas do quanto sua causa suprema vale mais
do que as próprias vidas: dele, de sua família ou mesmo de toda a
humanidade. Ele mata por uma idéia e igualmente morre por ela.
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Os sintomas do fanatismo
Os sintomas do fanatismo, em grupo, são: orações, privações, peregrinações, jejum, discursos monológicos e martírios que podem terminar com o sacrifício da própria vida visando salvar o mundo das “trevas” ou do que ele entende ser “o mal”.
O fanático não fala, faz discursos; é portador de discursos prontos cujo efeito é a pregação de fundo religioso ou a inculcaçãopolítica
de idéias que poderá vir a se tornar ato agressivo ou violento, tomado
sempre como revelação da “ira de Deus” ou “a inevitável marcha da
história” ou, ainda, a suposta “superioridade de uns sobre os demais”.
Faz discursos e não fala, porque enquanto a fala é assumida pelo sujeito disposto ao exercício do diálogo, da dialética, do discernimento da verdade, os discursos - especialmente odiscurso fanático - fazem sumir
os sujeitos para que todos virem meros objetos de um desejo divinizado;
servir ao desejo divino e à produção da repetição de algo já pronto,
onde o retorno do recalcado do sujeito faz do Eu (ego) um
porta-voz de um sistema de crenças moralistas carregado de ódio em
relação ao suposto inimigo ou adversário que precisa ser destruído para
reinar o Bem.
Os textos sagrados, tomados literalmente, fornecem
a sustentação “teórica” do discurso fundamentalista religioso; com ele,
o indivíduo acredita, a priori, estar de posse de toda a
verdade e por isso não se dá ao trabalho de levantar possíveis dúvidas,
como confrontar com outro ponto de vista, ou desvelar outro sentido de
interpretação, ou ainda, contextualizá-lo, etc. O fanático tem certezae isso lhe basta. Creio porque é absurdo, já dizia Tertuliano. Certeza para ele é igual a verdade. (Segundo Popper, no campo científico, a certeza nada vale porque é
“raramente objetiva: geralmente não passa de um forte sentimento de
confiança, ou convicção, embora baseada em conhecimento insuficiente”, já a verdade tem estatuto de objetividade, na medida em que “consiste na correspondência aos factos”, na possibilidade da discussão racional com sentido de comprovação. (Popper, 1988, p. 48).
O problema da religião não é a paixão “fé”, mas a inquestionalidade de seu método. O método de qualquer religião traz uma certezadivulgada em forma de monólogo, jamais de diálogo ou debate de
idéias. O pastor, padre, rabino, ou qualquer pregador de rua, vivem o
circuito repetitivo do monólogo da pregação; acreditam que “vale tudo”
para difundir a “verdade única” que o tocou e o transformou para sempre!
O estilo fanático usa e abusa do discurso monológico delirante,
declarações, comunicados, que jamais se voltam para escuta ou o
diálogo, exercício esse que faria emergir a verdade – não a “certeza”.
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Psicopatologia do fanatismo
Do ponto de vista psicopatológico, todo fanatismo
parece ter relação com a fuga da realidade. A crença cega ou irracional
parece loucura quando se manifesta em momentos ou situações
específicas, porém se sua inteligência não está afetada, o fanático
aparentemente é um sujeito normal. No entanto, torna-se um ser
potencialmente explosivo, sobretudo se o fanatismo se combinar com uma
inteligência tecnologicamente preparada. Fanático inteligente é um
perigo para a civilização. O terrorismo, por exemplo, que atua com a
única meta de destruir inimigos aleatórios é realizado por indivíduos
fanáticos cuja inteligência é instrumentada apenas para essa finalidade.
No terrorismo é uma das expressões do fanatismo combinado com uma
inteligência tecnológico, mas totalmente incapaz de exercitá-la por
meios mais racionais, políticos e legais. Para o terrorismo sustentado
no fanatismo, os inocentes devem pagar pelos inimigos; a destruição deve
ser a única linguagem possível e a construção de um novo projeto
político-econômico, não está em questão, porque a realidade no seu todo é
forcluída.
O fanatismo parece surgir de uma estrutura psicótica. O
fato do sujeito se ver como o único que está no lugar de certeza
absoluta, de “ter sido escolhido por Deus para uma missão “x”, já
constitui sintoma suficiente para muitos psiquiatras diagnosticarem aí
uma loucura ou psicose. Mas, seguindo o raciocínio de Freud, vemos que “aquilo que o psicótico paranóico vivencia na própria pele, oparafrênico experiência na pele do outro”, ou seja, somos levados a supor que o fanatismo está mais para a parafrenia que para a paranóia. Hitler,
antes considerado um paranóico, hoje é mais aceito enquanto
parafrênico, pois seus atos indicam sua idéia fixa pela supremacia da
raça ariana e a eliminação dos “impuros”; mais ainda, o gozo psíquico do
parafrênico não se limita “ser olhado” ou “ser perseguido”, tal como
acontece com paranóicos, mas sim se desenvolve “uma ação inteligente de perseguição e extermínio de milhares de seres humanos”, donde extrai um quantum de
gozo sádico. Portanto, deve existir membros de um grupo de fanáticos
paranóicos, mas certamente o pior fanático é o determinado pela
parafrenia, pois visa de fato destruir em atos calculados “os impuros”,
“os infiéis”, enfim, todos os que não concordam com ele.
Hitler e seus comparsas usaram de inteligência
para inventar e administrar a chamada “solução final” contra os judeus,
porém, antes de ser este um fato criminoso era uma exigência interna de
seu próprio psiquismo. Na parafrenia vigora a compulsão de observar e
atuar o ser do Outro como alimentador de seu delírio interno. O
parafrênico “faz acting out em nome de…” e
jamais assume seu ato criminoso, pondo a responsabilidade em alguém que
para ele encarna o “mal”. Para sua “lógica”, as vítimas são os únicos
responsáveis. É curioso observar que ontem os judeus se agarravam ao
sacrifício do holocausto como modo de explicação da tragédia em que eram
vítimas, mas hoje a ultra direita israelense, no poder, parece resgatar
dos nazistas essa terrível idéia da “solução final” contra os
palestinos. “Quem lutou muito contra dragão, também vira dragão“, diz um antigo provérbio chinês.
Os fanáticos pela “solução final” dos judeus, no
Julgamento de Nuremberg, não se consideravam culpados ou com remorsos
pelo extermínio coletivo. Goering, considerado o segundo homem depois de
Hitler, tentou se defender segundo o princípio de sua lealdade e
fidelidade para com o Führer; “cumprira ordens” e “nenhuma vez ele se
considerou um criminoso”. Eis a “razão cínica”: a culpa pelo genocídio
era dos próprios judeus gananciosos por dinheiro, não de seus carrascos
nazistas. Os israelenses da “era Sharon” também não se responsabilizam
pelos atos criminosos de Israel contra os palestinos generalizados como
terroristas.
Se no fanatismo o sujeito inexiste para dar lugar
ao Senhor absoluto e maravilhoso, então faz sentido não assumir a sua
própria responsabilidade, porque ela é “obra do Senhor” [Werk de herrn.] ”o Senhor quer que eu faça“, “foi a mão de Allah“, etc. São mais do que frases, são efeitos de uma poderosa “fantasia da eleição divina” [sic!]
onde o sujeito é nadificado para dar lugar ao discurso delirante da
salvação messiânica. O mundo fanático foi dividido entre “os eleitos” e
os que continuam nas trevas e que precisam ser salvos ou serem
combatidos por todos os meios, pois “são forças do mal”.
O famoso caso Schreber, analisado por Freud, que
acreditava ter recebido um chamado de Deus para salvar o mundo, que lhe
era transmitido por uma linguagem particular – só entre ele e Deus – ,
tornou-se o modelo psicanalítico para se pensar a relação loucura e
fanatismo. Como já dissemos, o fanatismo é sustentado por sistema de
crença delirante, psicótico, dominado por uma autoridade absoluta e
invisível (Deus ou a causa da “supremacia da raça ariana”, ou a “missão
do povo judeu”, ou “a Jihad islâmica”, “ou salvar o mundo do diabo”,
enfim, um significante posto no lugar “absoluto” que comanda a ação do
grupo fanático,etc). Segundo a psicanálise, isso poderia apontar para a
hipótese de um “complexo paterno” de origem.
A leitura lacaniana fala de “um buraco no
Nome-do-Pai, que produz no sujeito um buraco correspondente, no lugar da
significação fálica, o que provoca nele, quando é confrontado com essa
significação fálica, a mais completa confusão. É isso que desencadeia a
psicose de Schreber, no momento em que ele próprio é chamado a ocupar
uma função simbólica de autoridade, situação à qual só teria podido
reagir com manifestações alucinatórias agudas, às quais a construção de
seu delírio iria pouco a pouco fornecer uma solução, constituindo, no
lugar da metáfora paterna fracassada, uma “metáfora delirante”,
destinada a dar um sentido àquilo que, para ele, era totalmente
desprovido de sentido”.
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O início de qualquer fanatismo consiste, em primeiro,
reconhecermos um sujeito ou grupo estarem convictos, quando julgam de
posse de uma certeza que recusa o teste da realidade. Nietzsche dizia
que “as convicções são piores inimigas da verdade do que as mentiras”, porque quem mente sabe que está mentindo, mas quem está convicto não se dá conta do seu engano. “Oconvicto sempre pensa que sua bobeira é sabedoria“. Até no campo científico, há cientistas correndo o perigo de tornar-seconvictos de
suas teses. Edgar Morin analisa que quando algumas idéias se tornam
supervalorizadas e adquirem um caráter de grandiosidade e absolutismo
tendem a levar os seus sujeitos a abdicarem de seu raciocínio crítico e
se tornarem meros objetos dessas idéias. Indivíduos assim submetidos a
tão grandes idéias, fazem qualquer coisa para “salva-las” de um possível
furo de morte; elas funcionam como muleta existencial. Isso acontece
principalmente no meio religioso, mas também pode ocorrer nos meios
político, filosófico e científico.
O segundo sinal do fanatismo é quando alguém quer
impor a todos de modo tirânico a “verdade” única extraída de sua
inspiração ou crença absoluta. Pretende assim a uniformização via
linguagem, através de aparência física, rituais e slogans do tipo: “O
único Deus é Allah”, “só Cristo salva”, “Jesus Cristo é o Senhor”,
“somos o Bem contra o Mal”, “Em nome do Senhor Jesus eu ordeno…”
São expressões de caráter estereotipado, sustentado por uma “estrutura
de alienação do saber”, onde o discurso passa a falar sozinho, é uma
resposta que está no gatilho, pronta para qualquer emergência que o
sujeito não quer pensar. Observem o caráter
tirânico, narcisista e excludente dessas afirmativas. Todos possuem uma
visão que nega outros modos de crer e pensar. O mesmo acontece nos
auto-elogios das pessoas de raça branca e o desprezo pelas outras como
proclamam os fanáticos da extrema direita, nas ações violentas de uma
torcida sobre a outra, todos, sinalizam que o indivíduo se rende ao
grupo e este “a causa”. Os recém convertidos de qualquer seita religiosa
ou política estão sempre convictos que, finalmente, contemplam a verdade e essa tem que ser imposta a todos, custe o que custar.
O terceiro indicativo de fanatismo, já dissemos, é quando uma pessoa passa a colocar uma causa suprema (podendo esta ser justa ou delirante) acima da vida dela e dos outros.
Quarto, quando um indivíduo e/ou grupo se isolam da convivência familiar e social e adotam um modo de vida narcísico (no
igual modo de vestir, de cortar ou não cortar o cabelo, no jeito de
falar, nas regras de comer, na ritualística, etc), enfim, quando
uniformizam seu discurso, gestos, postura, atitudes em geral e punem os
que se recusam a seguir as regras impostas. Entrar para um grupo de
fanáticos implica em renunciar: pai, mãe, os filhos, os amigos, o lugar
onde viveu, o trabalho, enfim, os membros são persuadidos a matarem os
vestígios simbólicos da vida anterior para fazer renascer a vida em outra base moral e de fé.
Quinto, quando o indivíduo e/ou grupo perdem o
bom-senso na lógica da comunicação e nas ações do cotidiano. O discurso
passa a ser repetitivo e estranho à vida comum.
O sexto indício de fanatismo é quando se perde o
sentido de respeito e humanidade para com os diferentes, em nome de uma
causa transcendente.
O psicólogo francês, J-M. Abgrael, resume o método de doutrinação fanática em 3 etapas: 1o) sedução das pessoas para a “causa”;2o) destruição da antiga personalidade, eliminação dos elos familiares, sociais e profissionais e 3o) construção de uma nova personalidade “renascida” ou “renovada”, de acordo com o modelo e as regras da seita. Geralmente
essa passagem da vida normal para a vida “renovada”, há um ritual,
algum tipo de batismo, onde se inicia a adoção de um novo nome, novos
hábitos, apresentação de novas “famílias”. Sentir-se incluso num grupo
“de irmãos” ou “de luta pela causa” “é como estar apaixonado; surge
uma sensação maravilhosa, tudo passa a fazer sentido na vida, a pessoa
se sente acolhida e imensamente alegre”. O indivíduo passa a se ver
se modo especial, diferente dos demais para realizar a missão elevada;
se vê inundado por um sentimento grandioso que Freud chama de
“sentimento oceânico”. Imagine um indivíduo desesperado, desgarrado de
seu grupo social, sem uma forte identidade psicossocial cuja vida perdeu
o sentido, ao ser acolhido em um grupo fanático, recebe
mensagens confortadoras, do tipo: “nós amamos você”, “você é muito
importante para o projeto de Deus”, “você faz parte de nossa vida”,
“Deus te ama”, etc Diz P. Demo (2001) “o sentimento de ser amado, move o
entusiasmo mais do de qualquer coisa”.
Faz parte da estratégia para atrair pessoas para
novas seitas e igrejas, investir em programas produzidos para solitários
que sofrem insônia e depressão nas madrugadas. Os desesperados
sentem-se acolhidos com tais palavras mágicas e facilmente se sentem
inclusos e maravilhados pela ilusão de nova vida e sentimento extremo de
felicidade, numa igreja em que o fanatismo é o seu ponto cego.
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Todo fanático é intolerante.
O fanatismo é a intolerância
extrema para com os diferentes. Um evangélico fanático é incapaz de
diálogo e respeito para com um católico ou um budista. Um fanático de
direita não quer diálogo com os de esquerda. Organizações como a Ku Klux
Klan são intolerantes igualmente com negros adultos, mulheres e
crianças. Por isso se diz que há em cada fanático um fascista camuflado, pronto para emergir em atos de exclusão e eliminação.
O semiólogo e filósofo italiano, Umberto Eco,
reconhece que o protofascismo está presente nos movimentos fanáticos. No
campo político, não importa auto denominar-se de “esquerda” ou de
“direita” pode existir um protofascismo. No fundo os atos terroristas
são produzidos e sustentados por fanatismos de inspiração
místico-fascista incapazes de diálogo ou argumento racional que
esclarece sua causa objetiva. Não é sem sentido que os atos terroristas
deixaram de dizer algo pela palavra e passaram a ser apenas o ato, o acting out. S.
P. Rouanet diz que “os terroristas são agentes de uma ideologia
religiosa extrema direita … que funciona como ópio do povo…” (A coroa e a
estrela, FSP, Mais!, 18/11/01)
O fascismo, tanto o de Estado dos fundamentalistas
religiosos, como o que está pulverizado nos atos do cotidiano das
relações humanas, é fanático porque desrespeita, desconsidera, é
intolerante quanto ao modo de ser, pensar e agir do outro, é
tradicionalista-fundamentalista. Enquanto o fascista “quer o poder pelo
poder”, há o fanático “autêntico” que anseia dominar o mundo com sua
crença, e o “fanático terrorista” que “deseja apenas destruir a
estrutura de sustentação do inimigo”. Mas, ambos, o fascismo e o
fanatismo não são compatíveis com a democracia. Ambos pregam
intolerância multirreligiosa, a intolerância multicultural e
multirracial e usam o espaço de liberdade democrática para espalhar o
seu ódio e sua crença.
O sentimento que no fundo sustenta o fanatismo
e o fascismo não é a fé, nem o amor [Eros], mas o ódio [Thanatos] e a
intolerância.O desejo do fanático “autêntico” é dominar o mundo com seu
sistema de crença cheio de certeza. No plano psíquico, o lugar
do recalque torna-se depósito de ódio e desejo de eliminar todos os que
atrapalham o seu ideal de sociedade. Certa dose de paciência doutrinada o
faz esperar-agindo para que a “idade de ouro puro” possa um dia
acontecer.
São tão fanáticos os terroristas-suicidas
muçulmanos como os fundamentalistas cristãos norte-americanos que atacam
clínicas de abortos, perseguem homossexuais, proíbem o ensino da teoria
evolucionista de Darwin, obrigando aos professores ensinarem a doutrina
criacionista tal como está na Bíblia, ou ainda, os protestantes da
Irlanda do Norte que atacam crianças católicas ou os bascos que querem
ser um país independente a qualquer preço, por meio do terror.
Alguns personagens “messiânicos” de nosso tempo,
como Hitler, Idi Amin, Reagan, G. W. Bush, Sharon, os grupos dos
martírios suicidas do Oriente Médio, entre outros, tem algo em comum:
cada um se sente o escolhido para cumprir uma especial missão. Hitler
discursou que “as lágrimas da guerra preparariam as colheitas do mundo
futuro”. G. Bush, na sua ânsia de guerra contra o ditador S. Hussein,
não estaria delirando no mesma linha ? Não é sem sentido que os EUA, tem
sido o solo fértil de seitas cristãs fanáticas. Uma delas, A Casa dos
Filhos de Jeová, torce para o mundo se acabar logo, porque seus membros
acreditam que depois surgirá uma nova civilização do Bem.
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Fanáticos e suicidas carecem de humor
O fanatismo parece ser uma doença contagiosa, pois
tem o poder de atrair adeptos geralmente em crise profunda de vida
pessoal. Fanáticos e suicidas tem em comum a falta de humor e o desapego
pela própria vida. A certeza cega tira-lhes o humor e os colocam no
caminho do sacrifício místico.
O escritor e pacifista israelense, Amós Oz, numa
carta ao escritor japonês Kenzaburo Oe, Prêmio Nobel de 1994, escreve
ter encontrado a “cura para o fanatismo”: o bom humor. Diz que: “nunca vi um fanático bem-humorado, nem alguém bem-humorado se tornar fanático”. Oz imagina uma forma mágica de prevenir o fanatismo: um novo tipo de messias que “chegará rindo e contando piadas”.
Emil Cioran, um filósofo amargo e pessimista, vê nas atitudes dos céticos, dos preguiçosos e dos estetas, os únicos que verdadeiramente estão a salvo do fanatismo.
Já os religiosos estreitos, os políticos sectários, os dogmáticos que
habitam em todas as áreas do conhecimento, tendem ao fanatismo com seus
instrumentos próprios. O fanática jamais se pensa ser fanático .
Enfim, é preciso estarmos atentos e preparados
para resistir os apelos do fanatismo que como erva daninha não escolhe
lugar para germinar e se alastrar. Os grupos fanáticos exercem um
atrativo para os indivíduos que possuem uma estrutura psíquica
vulnerável, os desesperados, os desgarrados, os avessos ao espírito
crítico ou predispostos à crendice, ao desejo de encontrar uma certeza e
a se “contentar-se com pouco” na terra, porque ele tem certeza de que
ganhará na suposta vida após a morte. Tanto o fanatismo como a guerra
estão entre as situações que se encontram na contramão da sabedoria.
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Para prevenção do fanatismo
Freud, como pensador evolucionista, pensava que só quando a
civilização ascendesse à maturidade psíquica é que descartaria os
mecanismos infantis ou alienantes cuja matriz é a religião. Segundo o
fundador da psicanálise, a religião infantiliza as pessoas e as arrasta
ao delírio de massa. O homem não poderia viver nesse estado de
infantilismo para sempre, daí a urgente necessidade de um projeto de uma
“educação para a realidade“, que fortaleceria a vida
intelectual, facilitando o acesso de todos ao conhecimento científico,
por ser este verdadeiro. Ademais, a religião não fez e nem faz as
pessoas felizes, mas, dá-lhes uma ilusão de felicidade; sem dúvida, ela
tem o poder de controla os impulsos primitivos psicossexuais e
proporciona alguma direção moral, que costuma ir além do necessário, ou
seja, reprimindo o potencial criativo ou de prazer genuíno das pessoas.
Amós Oz, o escritor pacifista, sugere a criação de escolas em todo o mundo da disciplina “fanatismo comparado“.
Tal disciplina não apenas serviria para entender os fanatismos:
religioso, nacionalista, racial, político, desportivo, mas também outros
que passam desapercebidos, como o “antitabagista” que poderia queimar
os que fumam, o “vegetariano” que comeria vivo quem come carne, “o
ecologista” que prefere salvar as baleias às pessoas famintas, etc. Uma
disciplina como essa, teria uma função mais queeducativa, teria uma preocupação preventiva quanto a possibilidade de “contágio” social do fanatismo, já que pode-se pegá-lo ao tentar curar alguém desse mal.
.Texto extraído de www.espacoacademico.com
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Entrevistamos o Prof. Dr. Sivio Mmax; Antropólogo e
Professor na Universidade do Sagrado Coração – USC, de Bauru no interior
de São Paulo:
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Silvio, como se define antropologicamente o fanatismo religioso?
Trata-se de um fenômeno estudado mais especificamente pela
Sociologia e pela Psicologia da Religião do que propriamente pela
Antropologia. Emprestando noções de outras ciências, podemos
arriscar afirmando que o fanatismo religioso é uma síndrome que afeta a
percepção e o julgamento do sujeito, que passa a rejeitar toda e
qualquer ideia ou comportamento que não se adequa a um modelo ou
interpretação religiosa em particular. Assim, toda instituição ou
pessoa divergente ou que não se amolda ao conceito eleito como
absolutamente verdadeiro, passa a ser visto como inimigo e, portanto,
digno de ser combatido. O fanatismo enquanto comportamento, não é típico
de uma religião em particular, mas pode afetar seguidores de qualquer
religião ou até mesmo membros de agremiações esportivas ou
político-partidárias.
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Por qual motivo algumas crenças aplicam o método da
repetição em seus fiéis, incentivando-o, desde pequeno, a dizer que sabe
que aquela instituição é verdadeira?
Esse processo é meio do qual um conjunto de valores e crenças
pode ser introjetado na psique de um grupo de pessoas. Deste modo, o
sujeito assume como próprios os conceitos e valores transmitidos pelo
grupo. Uma coisa é certa: quanto mais nova for a pessoa, mais
susceptível ela será a esses valores, crenças e ideologias, pois seu
senso crítico ainda não está plenamente desenvolvido.
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Esse método prende o fiel impedindo que ele crie dúvidas acerca da veracidade daquela crença?
Em geral, a pessoa desenvolve uma tolerância a todos os
preceitos ideológicos do grupo, evitando criticá-los, pois isso
colocaria em “xeque” suas próprias crenças, além de causar mal estar e
reprovação de seus líderes e demais companheiros que também fazem parte
do mesmo grupo. O sujeito muitas vezes não exerce sua capacidade
reflexiva porque parte do princípio de que seu líder conhece a verdade
ou porque ele tem algum tipo de acesso privilegiado à “vontade divina”, o
que colocaria essa pessoa em condição legítima de interpretar essa
mesma vontade, ditando assim as regras para o comportamento do restante
do grupo.
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Como a antropologia explica esse fenômeno?
Do ponto de vista estritamente antropológico, podemos dizer que
o fanatismo e o fundamentalismo religiosos tem suas raízes no
etnocentrismo, que faz o sujeito acreditar que sua cultura, seus crenças
e valores são melhores, superiores ou mais verdadeiros que as crenças e
valores de outros grupos ou etnias.
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Esse comportamento é destrutivo? É capaz de criar algum “monstro”?
O fanatismo geralmente apresenta desdobramentos nefastos como
exclusão social, vandalismo e violência simbólica ou física contra um
indivíduo ou contra grupos inteiros. O sujeito passa a apresentar
comportamento irracional, intolerante, passa a ser susceptível a vários
tipos de racismos, preconceitos e fundamentalismos, o que dificulta sua
convivência harmoniosa com pessoas de grupos culturalmente distintos.
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“Eu sei que esta igreja é verdadeira”
O “testemunho”, para muitos membros da
igreja Mórmon, é alcançado por meio de uma oração, logo após das
primeiras visitas de um missionário da igreja. Se você sentir um “frio
na barriga”, é um sinal de que toda aquela instituição é verdadeira.
Eles baseiam toda fé, toda a história, toda a doutrina, mediante ao
sentimento “alegre e feliz” que sentiram no início; nenhuma duvida,
nenhuma questão pode ser lançada em debate, nada que quebre a coroa de
vidro dos reis e rainhas desse conto de fadas. Por pensarem ter esse
contato direto com o próprio divino, atacam livremente quem descorda ou
mesmo quem colocar em dúvida toda aquela “santidade”. As imagens de
comentários apresentadas ao longo da postagem mostram a tamanha
agressividade de algumas pessoas, que abrem barreiras do limite e do bom
senso, a ponto de criar ameaças pessoais e físicas. Esta série mostra o
poder destrutivo do “testemunho”, da fé cega do poder imaginário que
pode causar danos destrutivos. Criando monstros em nome da fé.
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ZUSMAN, W. Terrorismo: um bolo em camadas. Vértice-revista virtual de psicanálise. out/ 2001.
* Imagens retiradas a partir de cópias de comentários de membros da
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Agradecimentos:
Prof. Dr. Silvio Mmax
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Fonte: Humor Ex-Mórmon